Relatório de Atividades do Encontro Exploratório “Ásia e Arquivos”
O presente relatório de atividades visa sistematizar os resultados do encontro exploratório “Ásia e Arquivos”, organizado por Duarte Braga, Daniela Spina e Inês Marques, no âmbito do projeto PORT ASIA: Escrever a Ásia em Português: mapeando arquivos literários e intelectuais em Lisboa e Macau (1820-1955) do Centro de Estudos Comparatistas da Universidade de Lisboa. O evento ocorreu no dia quatro de julho de 2023, no Centro Cultural e Científico de Macau (CCCM), entre as nove e as dezanove horas, e contou com doze comunicações que foram também transmitidas online.
Após o breve discurso de abertura dado por Duarte Braga (CEComp-FLUL), no qual foram transmitidos os agradecimentos da comissão organizadora e algumas informações sobre o decorrer das atividades durante o dia, seguiu-se a keynote lecture “Macau newspapers in different archives: a research to trace Macau’s globalization”, ministrada por Agnes Lam (Universidade de Macau), via Zoom. Com o objetivo de estudar a imprensa de macaense no período colonial, demonstrar as transformações sociais, económicas, culturais e políticas que ocorreram nesta cidade e pensar a sua globalização através do fluxo de informação que chegava e partia de Macau, a investigadora deparou-se com o facto de que os documentos relacionados ao seu tema de pesquisa estavam dispersos em dezenas de arquivos na Ásia, Europa e Estados Unidos da América. Tendo em vista esta descentralização da documentação, a professora da Universidade de Macau aconselhou os investigadores presentes no evento a abrirem os seus horizontes durante o trabalho de arquivo, pois só assim será possível obter uma visão holística face à história contada pelos arquivos. Seguidamente, deu-se uma sessão de perguntas e respostas, na qual se esclareceu de forma mais a profundada as naturezas distintas das publicações em língua portuguesa, inglesa e chinesa que circulavam em Macau.
Logo depois do primeiro coffee break, teve lugar a comunicação “Arquivos nativos e histórias coloniais: experiências de investigação” de Ricardo Roque (ICS), no âmbito do projeto histórico-etnográfico “INDICO – Arquivos coloniais nativos: micro-histórias e comparações”. Este trabalho de investigação teve como ponto de partida uma carta do major José Vaquinhas sobre o facto de que a documentação relativa ao reino de Timor estava na posse de famílias nativas poderosas e não dos oficiais portugueses. Esta questão é particularmente interessante para o desenvolvimento do projeto em causa, pois ainda hoje a retenção destes documentos na posse de particulares é encarada pelos timorenses como uma forma de preservação do seu poder político. Deste modo, Ricardo Roque tem vindo a realizar um inquérito sobre a documentação “indígena” africana e asiática em arquivos portugueses, focando-se no estudo de micro-histórias e lendas.
De seguida, assistiu-se à comunicação “Contributing to the notion of Writing Macao through PortAsia”, preparada por Tan Raan Hann (National University of Malaysia) e Sílvio Moreira de Sousa (Macau University of Science and Technology) e apresentada por este último, através da plataforma Zoom. À semelhança da lição de Agnes Lam (Universidade de Macau), nesta sessão também foram destacadas as potencialidades dos arquivos de Macau, em especial da Biblioteca Central de Macau e do Arquivo Histórico de Macau. Tendo por base o conceito de writing Macao, que é a análise literária, linguística e antropológica da produção textual ligada, de algum modo, à cidade de Macau e à sua população, Sousa demonstrou a importância dos estudos realizados no âmbito do projeto PortAsia para o estabelecimento do papel da produção intelectual de Macau na literatura colonial de expressão portuguesa. Durante esta exposição, foi ainda exaltada a relevância do estudo do espólio da professora Graciete Nogueira Batalha (1925-1992) para a compreensão do cenário cultural de Macau na segunda metade do século XX.
Por fim, Luís Cabral de Oliveira (ESTG-Politécnico de Leiria e CEDIS-Nova School of Law) dissertou sobre “A necessária imersão no AHU para compreender a Goa oitocentista”, salientando a sua experiência pessoal de investigação no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) e modo como os documentos localizados neste espaço se podem relacionar com outros patentes em diversos arquivos públicos e privados nacionais. Durante a sua recolha no arquivo, o professor deparou-se com múltiplos requerimentos legais de mulheres que, por exemplo, participaram ativamente em processos de degredo ou de denúncia de situações de violência doméstica. Estes estudos de casos femininos permitem ampliar a visão sobre a vivência de Goa oitocentista numa perspetiva raramente explorada. No final de cada uma das sessões deste painel, moderado por Duarte Braga (CEComp-FLUL), foram discutidas questões sobre as tipologias de documentos estudados pelos projetos citados e sobre papel dos arquivos enquanto instrumentos de preservação da memória dos povos colonizados pelo Império Português.
O almoço, à semelhança dos coffee breaks, foi servido no quarto andar do CCCM e foi um momento de partilha entre os investigadores e o público presente durante as apresentações. A este período de pausa, seguiu-se o segundo painel do dia, moderado por Daniela Spina (CEComp-FLUL).
Primeiramente, foram apresentados, por Duarte Braga (CEComp-FLUL), os objetivos, resultados e o site do projeto PortAsia. Neste contexto, a audiência tomou conhecimento de que até ao final do ano será lançado um catálogo da bibliografia constante em cinco bibliotecas de Lisboa e Macau com obras de autores asiáticos e um site que reproduz esse mesmo catálogo, mas que também oferece a possibilidade de leitura de alguns documentos online, um fórum de comentários e notícias relacionadas a eventos e publicações de cariz orientalista em Portugal. Ainda no âmbito deste projeto, será lançado um volume da obra completa de Ângelo de Lima e alguns textos de Camilo Pessanha. Finalmente, foi destacada a participação de Duarte Braga (CEComp), Marta Pacheco Pinto (CEComp-FLUL) e Daniela Spina (CEComp-FLUL), membros do projeto, num congresso internacional em Singapura sobre o estudo e trabalho em arquivo.
De seguida, Zélia Pereira (CEC, FLUL/ IHC, FCSH-UNL) promoveu a discussão acerca da definição do conceito de “arquivo”, através da comunicação “Espaços de liberdade e locais de tensão: os arquivos na (re)construção da história e da identidade nacional de Timor-Leste”. Em primeiro lugar, a investigadora tratou de fixar, com recurso à literatura teórica do campo das ciências da informação, a definição de “arquivo” e das várias camadas de informação encerradas em cada um dos repositórios estudado, que se distinguem segundo a sua forma de organizar e veicular os dados neles patentes. Depois disso, a comunicação focou-se no processo de descolonização de Timor-Leste (após 1974) e no modo como as instituições locais e internacionais têm gerido a documentação deste período, condicionando severamente o acesso da sociedade timorense a informações relativas à sua história e, consequentemente, ao debate político sobre as narrativas difundidas na comunidade internacional acerca do jovem país. Em resumo, o principal propósito deste empreendimento académico é o de evidenciar o papel fundamental do acesso livre da população timorense aos documentos preservados em arquivos públicos e privados, dado que estes são meios de assegurar o direito à história e à memória timorenses.
O terceiro momento deste painel foi protagonizado por Marta Pacheco Pinto (CEComp-FLUL) que, no âmbito do projeto PortAsia, estudou “O legado de Monsenhor Sebastião Rodolfo Dalgado na Academia das Ciências de Lisboa: um arquivo de tradutor mas para que investigação?”. O legado do orientalista-tradutor compreende cerca de 300 volumes, sendo estes, na sua grande maioria, instrumentos lexicográficos e gramáticas em línguas europeias, sânscrito, crioulos africanos e indianos, sendo que a sua análise e catalogação permitiu à investigadora entender o arquivo como zona de contacto interlinguístico revelador de vestígio das génese das traduções de Dalgado. A parte final da apresentação deu conta de exemplos de marginália nos volumes de trabalho de Sebastião Dalgado, explicitando que a análise sistemática destas notas autógrafas marginais poderá originar futuros trabalhos de investigação.
Finalmente, o encontro acolheu uma abordagem menos tradicional às problemáticas do trabalho de arquivo com a exposição de Rui Lopo (IF-FLUP) intitulada “Orientalismo e Budismo em Portugal: um problema de arquivo?”. O investigador da Universidade do Porto traçou a história da implementação e receção do budismo, dentro e fora do cenário orientalista. em Portugal, entre o século XVII e o século XX, através do estudo das menções a esta tradição originada na Índia em textos literários e dicionários portugueses. A esta comunicação de Rui Lopo (IF-FLUP), última do segundo painel, seguiu-se o segundo coffee break.
O último painel, moderado por Marta Pinto (CEComp-FLUL), teve início com a comunicação de João Pedro Góis sobre a sua metodologia de trabalho na exploração preliminar do arquivo de Ruy Cinatti, patente na Biblioteca da Universidade Católica de Lisboa, para a preparação da sua tese de doutoramento. As suas descobertas no espólio, que ainda não está totalmente tratado arquivisticamente, trouxeram à tona poemas inéditos do autor e a sua correspondência profissional e íntima.
Seguidamente, Helena Coelho, responsável pela biblioteca do CCCM, apresentou o projeto “Rede Portuguesa de Arquivos Digitais Asiáticos” (PADAN) que visa, em parceria com a Universidade de Macau, a criação de um portal que dá acesso virtual a materiais de repositórios, arquivos e bibliotecas relativos aos contactos de Portugal com a Ásia, desde o século XVI até ao século XX. Neste quadro, deu-se também a conhecer o conteúdo dos espólios e arquivos disponíveis para consulta na Biblioteca Fundação Jorge de Álvares do CCCM e informou-se a audiência das bolsas de investigação oferecidas pelo CCCM a estudantes de doutoramento interessados pela investigação relacionada a tópicos asiáticos.
A última comunicação, intitulada “Um arquivo coerente para uma literatura avulsa: textos impressos em Goa no acervo da Biblioteca da FLUL (1821-1955)”, foi da responsabilidade da investigadora Daniel Spina (CEComp-FLUL), que focou a sua apresentação nos espólios e fundos da Biblioteca da FLUL que contêm literatura goesa. A partir destes acervos, foi possível contextualizar a presença de certos autores metropolitanos em Goa e a circulação de textos produzidos nesse contexto entre a colónia e a metrópole. Finalmente, o evento terminou com o discurso de encerramento e agradecimentos finais da professora Carmen Amado Mendes, presidente do Centro Científico e Cultural de Macau.